A dor é uma experiência desagradável associada a lesões nos tecidos do nosso corpo. A sua abordagem envolve aspetos físicos, psicológicos, sociais e espirituais, sendo que nas crianças com doença crónica complexa (DCC), como a doença neurológica e a doença oncológica, a sua identificação pode constituir um verdadeiro desafio. Se não for tratada de forma atempada pode ter consequências graves, tanto a curto como a longo prazo.
MITO 1 – As crianças sentem menos dor que os adultos
Um bebé pode sentir dor ainda dentro da barriga da mãe, a partir das 24-26 semanas de gravidez. Além disso, quanto mais nova for a criança mais dor pode sentir, porque as vias cerebrais que diminuem a sensação de dor ainda não estão totalmente desenvolvidas.
MITO 2 – As dores são todas iguais
A dor varia consoante a sua duração: pode ser aguda (curta duração), recorrente (por períodos) ou crónica (contínua por mais de 3 meses). Também pode ser classificada pelo mecanismo que a causa. A dor crónica é bastante prevalente nas crianças com DCC, sendo que cada criança e família requerem uma abordagem específica.
MITO 3 – A dor tem apenas uma causa
Nas crianças com DCC, a dor pode ter várias causas, como problemas musculares/ósseos (espasticidade, contraturas, escoliose, fraturas), digestivos (abcessos dentários, refluxo, vómitos, obstipação, diarreia), urinários (infeções ou retenção urinária), respiratórios e alterações na pele (feridas, zonas/úlceras de pressão ou problemas com dispositivos). Além disso, existem outros motivos além dos físicos, para desencadear ou exacerbar a dor, como questões emocionais ou espirituais. É importante que discuta com a equipa assistente as diferentes causas possíveis para a dor do seu filho, assim como as opções terapêuticas. Apesar de a utilização de medicação analgésica ser necessária em vários casos, existem diversas estratégias não farmacológicas (técnicas de relaxamento, distração, posicionamentos, medidas de contenção, suporte psicológico, fisioterapia, entre muitos outros) que podem ser tão ou mais importantes que a medicação no controlo da dor.
MITO 4 – O meu filho vai queixar-se quando sentir dor
Mesmo em crianças que conseguem dizer o que sentem, identificar e avaliar a intensidade da dor pode ser difícil. Podem esconder o que sentem por medo de ter de recorrer a serviços de saúde, serem submetidos a procedimentos dolorosos ou preocuparem os pais. Esta avaliação é ainda mais complicada em crianças que não conseguem falar. Nestes casos, a dor pode ter várias manifestações: choro frequente, irritabilidade, agitação, redução da atividade habitual, rejeição de carinhos/colo, redução do apetite, aumento dos batimentos cardíacos, transpiração excessiva, rosto avermelhado ou alteração do padrão de sono.
MITO 5 – A dor não pode ser medida
Embora a dor seja uma experiência individual e subjetiva, existem escalas que ajudam a medir a sua intensidade, dependendo da idade, tipo de dor e outras doenças associadas. Para crianças com multideficiência, pode usar-se a escala FLACC-R, que avalia a expressão facial, movimentos das pernas, atividade, choro e capacidade de ser consolada. Consulte a sua equipa para perceber qual a escala que melhor se adapta ao seu filho. Mais importante que a avaliação isolada, a utilização de escalas pode ajudar a perceber a evolução da dor ao longo da trajetória da doença e a resposta à terapêutica.
MITO 6 – O uso de medicamentos opióides (por exemplo, morfina) pode causar dependência ao meu filho
Os opióides são fármacos muito eficazes para o controlo da dor moderada a intensa. Podem ser usados, com segurança, em crianças de qualquer idade, desde que ajustados ao peso, idade e condição de saúde. Quando usados corretamente por profissionais com formação, os efeitos secundários são raros e não causam dependência nem problemas respiratórios, podendo ter um impacto positivo na qualidade de vida do seu filho.
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Referências bibliográficas:
1. Chan, A. Y. L., Ge, M., Harrop, E., Johnson, M., Oulton, K., Skene, S. S., Wong, I. C. K., Jamieson, L., Howard, R. F. & Liossi, C. (2022). Pain assessment tools in paediatric palliative care: A systematic review of psychometric properties and recommendations for clinical practice. Palliative Medicine, 36(1), 30–43. https://doi.org/10.1177/02692163211049309
2. Direcção-Geral da Saúde. (2010). Orientações técnicas sobre a avaliação de dor nas crianças. Circular Normativa No14/2010, 1–10.
3. Oliveira, A., Pedro, A., Fernandes, A., Melancia, C., Abadesso, C., Lanzas, D., Santos, E., Marote, L. & Amorim, R. (2018). Desenhos da minha dor (1a). Associação Portuguesa para o Estudo da Dor. https://www.aped-dor.org/images/diversos/documentos/desenhos_da_minha_dor.pdf
Elaborado por:
Íris Rocha e Oliveira, Interna de Formação Específica de Pediatria, ULS Algarve – Hospital de Faro
Carolina Nobre, Enfermeira Especialista em Saúde Infantil e Pediatria, Unidade de Cuidados Paliativos Pediátricos, ULS Coimbra
Orientado por:
Cândida Cancelinha, Ema Grilo, Andreia Nogueira, Unidade de Cuidados Paliativos Pediátricos, ULS Coimbra
Texto elaborado por solicitação para o Portal C&F, SPP 2025.01.18©