BIRRAS E DESOBEDIÊNCIA NA INFÂNCIA – DICAS PARA PAIS

A infância é um período desafiante para as crianças e para os pais. No seio familiar, procura-se segurança e carinho, testam-se regras e limites, promove-se independência, experimentam-se emoções e situações que replicam a vida em sociedade e a interação com os pares. Na educação de uma criança em idade pré-escolar importa fazer uso de toda a sensibilidade, atenção e competência, por forma a estimular comportamentos positivos – sociais, emocionais, académicos, entre outros.

Para alguns problemas comuns do comportamento infantil, podem ser úteis abordagens parentais específicas, comprovadamente mais eficazes. Neste artigo falaremos de birras e desobediência.

As birras e a desobediência ocorrem no normal desenvolvimento das crianças e atingem o auge durante os “terríveis dois anos”. É um indício saudável de que a criança procura autoafirmar-se. Ainda assim, uma abordagem correta e assertiva é importante para evitar que a desobediência ocasional descambe em longas lutas de poder que ensinam as crianças a resistir à maioria dos pedidos dos adultos. A persistência da desobediência tem sido associada a famílias com poucas regras e pais altamente permissivos ou, por outro lado, famílias com demasiadas regras e uma disciplina excessivamente rigorosa.

Nos próximos tópicos, damos algumas dicas para vos ajudar a encontrar o equilíbrio.

 

Reduza o número de regras e concentre-se nas mais importantes, certificando-se de que são realistas e apropriadas para a idade do seu filho.

Dê ordens claras, específicas e positivas, explicando em detalhe os comportamentos que deseja ver o seu filho a adotar: “Vai para a cama, por favor” ou “Fala em voz baixa”, por exemplo.

Evite ordens vagas, negativas e críticas, como: “Porta-te bem” ou “Senta-te quieto ao menos uma vez na vida”.

Evite ordens em tom de pergunta, que implicam uma opção de não cumprimento. Por exemplo: “Não queres ir para a cama agora?”.

Dê-lhe tempo, se possível. Tal como os adultos, as crianças têm dificuldade em largar de repente uma atividade interessante. Um lembrete ou aviso algum tempo antes da ordem ajuda o seu filho a fazer as transições. Por exemplo: “Mais cinco minutos e são horas de ir para a cama”.

Elogie o cumprimento das ordens. Em geral, os pais dão atenção às crianças quando estas desobedecem e ignoram quando elas cumprem. Inverta esta situação, para que o seu filho sinta maior ganho em obedecer.

Estabeleça programas de reforço, com o qual recebem pontos ou autocolantes de cada vez que obedecem. Estes são colecionados e trocados por itens de uma lista de recompensas simbólicas, que não devem ser guloseimas nem dinheiro (mais uma história ao deitar ou um jogo consigo, por exemplo).

Nas crianças mais obstinadas, estabeleça um “tempo de pausa” como consequência. Afaste a criança da atenção dos adultos durante um breve período (máximo de 5 minutos, sendo que geralmente se adota 1 minuto por cada ano de idade da criança), dando-lhe a oportunidade para recuperar a calma, refletir sobre o seu comportamento e ponderar outras soluções. É uma abordagem de gestão da raiva/frustração que lhe será útil ao longo de toda a vida. Explique-lhe claramente quais os comportamentos que levam ao “tempo de pausa”. Em geral, serão: desobediência acentuada, comportamento de oposição/desafio, agressões ou atitudes destrutivas.

Prepare-se para ser testado. Tente ignorar os protestos menores, como resmungar enquanto cumpre a tarefa.

Dê o exemplo. Não se esqueça que modelar o comportamento desejado é uma das estratégias de ensino mais eficazes. Por exemplo, se a mãe chama a família para a mesa e o marido não vem porque quer acabar uma tarefa que tinha em mãos, está a dar um exemplo de incumprimento.

Aceite o temperamento do seu filho. O nível de atividade, disposição, grau de intensidade emocional, adaptabilidade, impulsividade e persistência podem variar muito dentro de um espetro considerado normal. Por exemplo: pais de crianças mais impulsivas podem ajudá-las a comportar-se adequadamente e a canalizar a sua energia num sentido positivo, mas não podem nem devem querer mudá-las.

O poder parental deve ser utilizado de forma responsável. Para se sentirem seguras, as crianças pequenas precisam de supervisão e disciplina firme. Esta consiste em ensinar-lhes que o mau comportamento tem consequências, mas simultaneamente fazê-las perceber que são amadas e se espera delas um melhor comportamento no futuro. Por outro lado, as crianças devem ter alguma liberdade para exercer poder de decisão no seio familiar (o que comer, o que vestir, etc.). Se nunca tiverem esta oportunidade, inevitavelmente surgirão comportamentos de oposição. A chave está no equilíbrio, em promover relações de cooperação na família e estimular a autoconfiança e autonomia das crianças.

Por último, educar exige sensibilidade. Não há duas situações iguais. Pais sensíveis encaram os filhos de forma positiva, criam laços familiares fortes, transmitem competências sociais e emocionais e constroem alicerces para o futuro.

 

Referências Bibliográficas:

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Realizado por:

Carolina Folques

Interna da formação especializada em Pediatria

Centro Hospitalar de Leiria, EPE

carolinafolques@gmail.com

 

Com a correção/supervisão de:

Margarida Pereira

Assistente de Pediatria

Centro Hospitalar de Leiria, EPE

 

Texto elaborado para o Portal C&F, SPP 2021.02.28©